sexta-feira, 16 de julho de 2010

SOBRE A CRISE E O PEC NOS PAÍSES DA ZONA EURO

Divulgamos aqui um texto sobre a natureza e o significado da resposta que as classes capitalistas dominantes, particularmente no âmbito da União Europeia e da Zona Euro, estão a dar à presente crise económica. Este texto é assinado por Mark Weisbrot, co-director do Center for Economic and Policy Research, sedeado em Washington, D.C., nos Estados Unidos da América, e foi originalmente publicado no jornal britânico Guardian em 9 de Julho último, sendo posteriormente republicado no sítio da Internet da revista Monthly Review, no espaço MRZINE (http://mrzine.monthlyreview.org/).

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EXPLORAR A “CRISE” PARA ESMAGAR O TRABALHO

Uma coisa deve ser clarificada sobre a situação nas economias da Zona Euro e que fica obscurecida se nos ativermos ao que é normalmente dito nas notícias sobre tal tema. Esta não é uma situação em que os países dessa região estejam colocados perante um inevitável “dilema”, resultante de um excesso de despesa ou de um recurso exagerado à dívida pública. De facto, esses países não estão fatalmente confrontados com “escolhas drásticas” que os obriguem a diminuir despesas e elevar impostos enquanto a economia está fraca ou em recessão, de forma a “satisfazer os mercados financeiros”.

O que está realmente a acontecer é que interesses poderosos nesses países – Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal – estão a tirar partido da situação para imporem as mudanças que desejam. Talvez mais importante ainda, as autoridades europeias – incluindo a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional -, que têm nas suas mãos a possibilidade de dispor de fundos de resgate das dívidas, estão ainda mais empenhados em mudanças políticas de direita do que os próprios governos nacionais, com a agravante de não terem de responder perante qualquer eleitorado.

Em Treze Banqueiros, Simon Johnson, ex-economista principal no FMI, e James Kwak descrevem as crises nos mercados emergentes na década de 1990 e salientam o uso que Washington fez dessas crises para promover as mudanças que lhe serviam, afirmando a dado ponto: “Quando uma dada elite económica conduz um país a uma crise profunda, é a altura adequada para impor mudanças, sendo que a própria crise representa uma oportunidade única, e breve, para o fazer”. Naomi Klein (em A Doutrina do Choque) fornece também uma excelente descrição de como as crises têm sido usadas para introduzir ou consolidar “reformas” económicas regressivas e impopulares.

É isto que está a acontecer actualmente nas economias da Zona Euro, com a crise a ser consideravelmente exagerada na maior parte dos casos. Espanha é um bom exemplo. A história segundo a qual a Espanha se meteu numa embrulhada devido a um excesso de despesa pública, não é suportada por factos. Este país reduziu fortemente a proporção da dívida relativamente ao Produto Interno Bruto através de um crescimento económico no período 2000-2007 (de 59 para 36 por cento do PIB), e registou saldos orçamentais positivos nos três anos que precederam o eclodir da crise, em 2008. Esta foi desencadeada pelo colapso de uma grande “bolha” especulativa no sector imobiliário, assim como no mercado bolsista: o valor das acções teve uma quebra brutal, de 125 por cento do PIB em Novembro de 2007 para 54 por cento um ano mais tarde. Isto teve como consequência uma forte redução da despesa privada, situação que foi agravada pela recessão mundial.

A Espanha tem neste momento uma dívida vincenda de 61 biliões de euros; as autoridades europeias poderiam, se quisessem, fornecer garantias o pagamento desta dívida para evitar a subida especulativa dos juros da mesma. Se não se verificasse esta subida de juros, a dívida da Espanha não ofereceria problemas, uma vez que não ultrapassava os 45,8 por cento do PIB em 2009, sendo os respectivos encargos de apenas 1,8 por cento do PIB (…). É certo que a Espanha regista um elevado défice orçamental (cerca de 9 por cento do PIB) e esta situação não pode manter-se por muito tempo. Mas não tem obrigatoriamente que se manter. O défice diminuirá por um processo inverso àquele que o fez subir: à medida que a economia cresça, as receitas fiscais elevar-se-ão, as despesas com os “estabilizadores automáticos”, tais como os subsídios de desemprego, diminuirão, e o peso da dívida na economia diminuirá também, que é o que interessa realmente. Não faz qualquer sentido cortar despesas e subir impostos nesta altura, enquanto a economia está ainda muito débil, a inflação é negativa e não existem riscos sérios de uma nova recessão.

É esta política contra-cíclica que importa prosseguir, a menos que o objectivo seja o de reduzir salários e benefícios no sector público, enfraquecer o trabalho, redistribuir o rendimento a favor das classes altas e eliminar serviços prestados pelo Estado. Nos Estados Unidos existe actualmente um problema político semelhante, embora de menor gravidade: os ideólogos do combate ao défice estão a desenvolver uma campanha para realizar grandes cortes na Segurança Social, mesmo que a sustentabilidade desta não esteja ameaçada pelo menos nos próximos 33 anos.

Ironicamente, aqueles que querem tirar partido da “crise” em Espanha, o que fazem é aumentar o risco de problemas sérios na dívida, uma vez que o peso desta subirá se a economia entrar em recessão ou estagnar, por via da adopção de políticas fiscais restritivas. Mas essas pessoas estão dispostas a correr tal risco, desde que isso lhes permitir atingir os seus objectivos políticos.


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